sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Quem decide se uma moeda cai com a cara ou com a coroa voltada para o alto?

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    O século XIX logo após a 1º Guerra Mundial (1914-1918), a Europa se transformaria radicalmente foi o adeus aos países governados por imperadores, nobreza financiando vultosas festas, exércitos tinham homens a cavalo e as damas andavam com pomposos vestidos. A Guerra transmudou tudo, rapidamente. Presidentes governavam; automóveis tomavam as ruas; o submarino e o avião infringiam leis da física até então conhecidas; em vez da ópera e valsa vienense, o rádio, o jazz, os discos e o cinema, questionavam o gosto erudito da nobreza; o mundo não se dividia mais entre os partidários do Antigo Regime e os defensores dos valores da Revolução Francesa. Nesse momento, a disputa se dava entre o capitalismo e socialismo. 
     Neste contexto flui a fascinante obra Contraponto de Aldous Huxley numa trama demonstrando todas essas mudanças rápidas e conflitantes. Abaixo transcrevo um diálogo interessante entre os membros da carcomida nobreza nos anos pós-guerra.



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   — Quem decide se uma moeda cai com a cara ou com a coroa voltada para o alto? — perguntou Illidge com desdém. 
   — Mas por que introduzir moedas na discussão? — retorquiu Spandrell.
      — Por que vens com as moedas, quando estamos falando de seres humanos?
      Considera o teu caso. Será que tens o sentimento de ser uma moeda quando te acontece alguma coisa?
      — Pouco importa o sentimento que eu possa ter. Os sentimentos nada têm que ver com os fatos objetivos.
      — Mas as sensações, essas sim, têm. A ciência é a racionalização das percepções dos nossos sentidos. Por que haveríamos de atribuir valor científico a uma certa classe de intuições psicológicas, quando a recusamos a todas as outras? A intuição direta duma ação providencial tem tantas probabilidades de ser um meio de conhecimento dos fatos objetivos quanto a intuição direta da cor azul ou da dureza. E quando as coisas nos acontecem não temos a sensação de ser uma moeda. Sentimos que os acontecimentos têm a sua significação, que foram arranjados. Especialmente quando eles se produzem em séries. Como se a moeda caísse de cara cem vezes seguidas, digamos.
      — Concede-nos ao menos o mérito de cair de coroa — disse Philip rindo. — Nós somos os intelectuais, não te esqueças. Spandrell franziu o sobrolho; aquela frivolidade fora de propósito o chocava. Era um assunto que ele levava a sério.
      — Quando penso em mim mesmo — disse ele —, fico convencido de que tudo quanto me aconteceu foi, de alguma maneira, arranjado previamente. Quando garoto, tive um prenúncio do que eu poderia ter vindo a ser, se os acontecimentos não houvessem intervindo... Algo completamente diverso deste "eu" real.
      — Um anjinho, hein? — troçou Illidge.
      Spandrell não tomou conhecimento da interrupção.
      — Mas a partir dos meus quinze anos, começaram a acontecer-me coisas à semelhança profética do que sou atualmente.
      Calou-se.
      — De maneira que te cresceram um rabo e uns cascos fendidos, em vez dum halo e dum par de asas. Uma história triste. Nunca te feriu a atenção — continuou Illidge, voltando-se para Walter —, a ti, que és perito em matéria de arte, ou que pelo menos devias ser, nunca te feriu a atenção o fato de que todas as reproduções de anjos em quadros são absolutamente incorretas e anticientíficas? — Walter fez "não" com a cabeça. — Um homem de 70 quilos, se lhe crescessem asas, deveria receber ao mesmo tempo músculos colossais para as mover. E grandes músculos de voo significariam um esterno em proporção, como o das aves. Um anjo desse peso, se quisesse voar tão bem como um marreco, deveria ter um esterno que passasse de 4 ou 5 pés, pelo menos. Dize isso ao teu pai, na próxima vez em que ele tiver vontade de pintar uma Anunciação. Todos os Anjos Gabriéis que existem são escandalosamente inverossímeis.

pag. 290
SSSSSSS

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