sexta-feira, 31 de março de 2017

Juçara na tigela é bom para a saúde e melhor ainda para a biodiversidade

      Substituir a salada de palmito juçara pela tigela de polpa dos frutos é ir muito além de uma simples opção alimentar saudável. É apostar numa alternativa capaz de fazer frente à superexploração ilegal da palmeira juçara nativa, na Mata Atlântica. Cada palmito retirado é uma palmeira eliminada, pois a planta não sobrevive depois de cortada a ponta. Já a coleta de frutos pode ser feita ano após ano, deixando sempre um pouco para consumo da fauna silvestre. E o consumidor urbano nem precisa sair pelo mato procurando algum pé que tenha escapado aos palmiteiros até ter idade para frutificar: já existe quem comercialize a polpa congelada ou mesmo o potinho pronto para consumo, sobretudo nos estados de Santa Catarina (com o nome de açaí-do-sul) e Rio de Janeiro (Juçaí).
      A palmeira juçara (Euterpe edulis) sempre foi muito abundante na Mata Atlântica, amplamente semeada por um grande número de espécies de aves e mamíferos que se alimentam de seus frutos. Mas o corte excessivo tornou a palmeira ameaçada. Na floresta, as mudinhas podem levar de 10 a 12 anos para chegar à maturidade, quando então atingem entre 6 e 10 metros de altura, em média. Diferente de outras espécies de palmeiras das quais se retira o palmito, a juçara não cresce em touceiras, mas tem um caule (estipe) único, delgado e ereto. Isso também dificulta a recuperação natural de sua população.
      Os frutos nascem em cachos e são pequenos, de um roxo bem escuro, quase preto, carregado de antocianinas, pigmentos do grupo dos flavonoides cuja função é proteger as plantas contra os raios ultravioleta do sol. A ingestão de sucos, vinhos ou outros preparados à base de frutas com muitas antocianinas ajuda a combater os radicais livres (associados ao envelhecimento) e protege contra doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.
      “Na região já existe a produção de polpa congelada de juçara em saquinhos, embora não exista uma regularidade no fornecimento. A polpa é comercializada sem mistura com guaraná como se faz com o açaí. Oferecemos a tigela com juçara puro, com banana e com laranja. Os dois últimos foram mais bem aceitos pelas crianças, que ficaram todas com as boquinhas roxas, de comer o juçara”, conta. Além de oferecer a polpa na merenda, a pesquisadora organizou atividades de plantio da palmeira na escola.
      A retirada da polpa não inviabiliza as sementes, que podem dar origem a novas palmeiras, em projetos de restauração ou enriquecimento da própria floresta ou mesmo no paisagismo urbano. As sementes também podem ser usadas em artesanatos e biojoias, pelos próprios extrativistas ou artesãos locais. E dos frutos ainda podem ser obtidos corantes, óleos e açúcares cujas propriedades estão em estudo.
      “Visitei alguns produtores de polpa no meio do mato. A coleta é feita de palmeiras silvestres e a polpa é pura mesmo, sem qualquer mistura”, confirma Valéria. “A utilização das frutas para a produção de polpa evita que milhares de palmeiras juçara sejam cortados para obtenção do palmito. Além disso, ao agregar valor a um produto até recentemente negligenciado, espera-se contribuir para que mais palmeiras sejam plantadas”.
      Como as crianças beneficiadas com um reforço de qualidade na merenda escolar, as maritacas, os tucanos, os araçaris, os sabiás, os jacus e os periquitos agradeceriam. De barriga cheia!
      E então, vai uma tigela de juçara de lanche?


Fonte: Liana John 
      Jornalista ambiental há mais de 30 anos, escreve sobre clima, ecossistemas, fauna e flora, recursos naturais e sustentabilidade para os principais jornais e revistas do país. Já recebeu diversos prêmios, entre eles, o Embrapa de Reportagem 2015 e o Reportagem sobre a Mata Atlântica 2013, ambos por matérias publicadas na National Geographic Brasil.


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